A DÚVIDA – CAPÍTULO VI


Olá Bela,
Pensei imenso se haveria de tratar-te por “meu amor” mas, como sabes, tenho a frontalidade na pele, esta maneira de ser verdadeira e espontânea e não sinto amor que justifique esse tratamento. Sinto carinho. Sinto ternura. Mas sinto mágoa também. Mais ou menos contido, mais ou menos revelado, há um clima de dúvida entre nós que, convenhamos, é muito pouco saudável numa relação a dois. Num casamento. Chamo-te Bela porque és, sempre foste, a minha Bela.

Não te liguei hoje porque as chamadas são caríssimas e temos este meio, o e-mail, que nos permite comunicar sem custos. Está tudo bem. A viagem foi boa.

Eu sei que sentes a minha falta. Só não sei porquê. Pode ser amor, como dizes. Assim o espero. Mas pode também ser só o hábito. Sabes, as pessoas às vezes habituam-se a uma rotina, como dizer “Eu amo-te” e depois dizem mesmo que já não amem. É curioso que digas que sentes a minha falta na cama junto a ti, mas quando lá estou, tu só dormes. São inúmeras as vezes que te peço para fazermos amor e tu recusas sempre. Enfim, quase sempre. Será por amor que sentes a minha falta ou é só o estranhamento na ausência do calor do meu corpo?

Gostei muito que escrevesses. Acredito que as tuas palavras são sinceras. Acredito em ti, mas não concordo com tudo. Há mesmo coisas que me entristecem. Ontem começaste uma discussão violentíssima só porque nem eu nem a minha secretária te atendemos o telefone do escritório. Estávamos a trabalhar. A preparar os materiais para a minha intervenção aqui em Berlim. Mas não deste o benefício da dúvida. Escolheste o caminho da acusação. E agora lamentas-te! Que direi eu, Bela, que direi eu?

Sabes, Bela, tenho saudades do nosso amor genuíno e verdadeiro. Tenho saudades da nossa harmonia e da nossa paixão e gostava de acreditar que tudo se pode resolver com umas mini-férias, mas não acredito. Tenho saudades, Bela, do tempo em que falavas comigo sobre os teus problemas e não com o Sebastião. Sim Bela, eu sei que o nosso cunhado te continua a visitar mesmo depois de eu lhe ter pedido que não o fizesse. Não dá para ignorar o cheiro da água de colónia barata que ele usa quando chego do trabalho, ou as chávenas de café na máquina de lavar loiça. Tu não bebes café, Bela, nunca bebeste! Magoa-me saber que ele te visita às escondidas como se fosse necessário proteger-te de mim, um marido que te maltrata... E falas-me de amor, Bela...

Eu já te amei tudo o que um homem pode amar uma mulher e gostava que esse sentimento voltasse, mas como pode o amor florescer numa relação onde há desconfiança e dúvida? Sim, Bela, há! Não o negues. Não negues que me vasculhaste o telemóvel e a carteira e a pasta... Foi por amor, Bela, foi por amor a tua desconfiança?

Sim, faremos as férias. Teremos um tempo só para nós. Que seja um tempo de resiliência e reencontro mas, Bela, antes disso tudo, conversemos. Coloquemos com clareza e frontalidade as nossas dúvidas em cima da mesa e eliminemo-las uma a uma com a verdade e façamos depois as férias que sugeres.

Esperando amar-te para sempre,

Mário

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