À medida de
caminho, que piso as pedras claras da calçada, sinto-me como elas. Frio e
abandonado entre semelhantes, parte de um puzzle de que não conheço todo o
desenho. E levo comigo a documentação do divórcio. E, contudo, não deixo de
sentir no meu intimo que há algo de desnecessário em tudo isto. E se ela
estivesse a ser honesta? E se não houvesse nada entre ela e o Sebastião? Se o
seu amor ainda fosse apaixonado e sincero? E se esta hesitação que sinto fosse
ainda amor verdadeiro? Se, onde vi hábito, estivesse uma rotina a corroer o
quotidiano, mas não a falta de amor? É curioso. Passei tanto tempo a duvidar,
senti tanto tempo o peso da dúvida dela, tomei decisões sérias e definitivas
por causa da dúvida e das suas consequências e é agora, a caminho do tribunal,
a caminho de assinar a papelada que põe termo a tudo, que duvido da dúvida!
E nunca lhe dei
razões para duvidar de mim! A minha cunhada nunca passou de uma fantasia minha.
A minha secretária foi sempre só isso. Acabei mesmo por dispensá-la para a Bela
descansar a cabeça, nenhuma outra mulher alguma vez me interessou e é terrível
pensar que da parte dela pudesse tudo ter sido análogo. Seria um golpe cruel do
destino. E só seria possível se fossemos fracos e incrédulos.
Talvez ainda lhe
pergunte uma última vez...
Lá vem ela, traz
o advogado, claro, e... como não podia deixar de ser, o Sebastião. Mas em que é que eu estava a pensar? Onde é
que tinha a cabeça? Olha-me aquele paspalho e as suas maneiras gentis e
delicadas com ela, está a tentar provar-me o quê? E ela? Porque é que tinha de
trazer aquele tipo com ela?
Nem sei como
duvidei da dúvida. Não vou perguntar-lhe coisa nenhuma. O que está feito está
feito, está feito e está bem feito.
Ainda demorou um
bocado. Estou exausto. Acho que só agora reparo que hoje está sol. Há em mim um
sentimento misto de libertação e desperdício. Acho que a vida é feita de decisões.
Acho que nunca sabemos se vamos decidir bem ou mal e, mesmo depois de ter decidido,
a qualidade da decisão afere-se pela forma como vivemos com a realidade que ela
própria configurou.
No amor, ama-se
ou não. Dedicamo-nos ou não. Duvidamos ou não. Decidimos ou não. Aceitamos ou não.
Não há vencidos nem vencedores. Há só a vida que construímos com as nossas
atitudes. O que ficou para trás não volta. O que temos pela frente é a vida que
resta viver. Não importa se muita ou pouca. Importa se é bem vivida. Vivida de
acordo com aquilo que somos, que queremos ser. Temos de nos descobrir. De
aceitar quem somos e viver com isso.
Bem, vou tomar um
café. Já mereço. E vou viver. Também mereço. Com certezas. E com dúvidas.
------------------------------- FIM --------------------------